Para mim, era só minha história. Para eles foi além disso

22/01/2018 12h05

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Por Ronald Capita

Era 2 de janeiro de 2017 quando fui recebido pelo Osmar Loss, então técnico do sub-20 do Corinthians. A princípio seria apenas para acompanhar, como fã de futebol, o último treino de seus comandados antes de viajarem para Taubaté, onde ficariam para os jogos da primeira fase da Copa São Paulo de Juniores. Acabou que não foi isso. Foi muito mais que isso.

Quando cheguei no Parque São Jorge, o Loss estava para iniciar um treinamento. Me recebeu, me cumprimentou e fui para o banco de reservas observar a atividade. Em um determinado momento ele veio até mim e se sentou no banco. Conversamos e falei das minhas lutas, uma delas para voltar a andar. Então ele fez um convite: disse que gostaria que eu conversasse com os meninos para motivá-los, inspirá-los. Osmar já acompanhava a minha história pelas redes sociais.

Eu não pensei duas vezes. Aceitei o desafio! E era um desafio, sim, algo que jamais havia feito.

Fui para o vestiário. Exalando timidez, claro. Era apenas a primeira oportunidade de contar a minha história, que eu admito ser de grandes vitórias. Tão grandes quanto a grandeza do Corinthians. E tão nobre quanto a atitude de Osmar Loss em me fazer o convite. Imagina o que é para alguém de apenas 17 anos dar uma palestra para um time de futebol. E mais: trata-se do maior campeão da Copa São Paulo. Que responsabilidade, né?

No papo, contei sobre as minhas lutas pela saúde com a síndrome de Marfan, aquela deficiência da qual já falei bastante, que afeta os sistemas cardiovascular e esquelético, os olhos e a pele.  Também falei da escoliose, que agravou ainda mais o meu quadro clínico. Contei sonhos, planos, falei de fé. A mesma fé que me mantém firme e forte, com esperança mesmo diante de tantos desafios que, com o tempo, só crescem. E como crescem.

Pouco após a palestra de 2017, completei 18 anos em 13 de janeiro e fui homenageado pelos meninos do Corinthians com o C de Capita. Dois dias depois, descobri um tumor que estava encostado no meu cérebro. Era benigno, mas o jogo virou. Por todos os ângulo. E naquele momento eu fui de motivador a motivado. Sim, os atletas me mandaram mensagens para me dar força em um momento tão difícil. Dá para acreditar? O Pedrinho até disse que estavam todos orando por mim. E que eu havia ajudado o time, mesmo desacreditado, a chegar onde chegou. Foi algo inexplicável. Não esperava, nem tinha noção. Para mim eu só havia contado a minha história. Para eles foi além. Muito além...

Mesmo em um momento difícil, estive sempre presente com eles. Ainda que de longe vieram novos jogos e novas vitórias, conquista do título, homenagens, carinho, respeito. Tudo isso amenizou a descoberta do tumor... De fevereiro até abril fiquei completamente focado no tratamento, no pré-operatório. Isso até descolar a retina pela primeira vez. Na ocasião, o estado era gravíssimo. Assim como com o problema no ouvido, eles me ajudaram. Thiago Duchatsch, Filipe, João Consolaro e Lucas Amorim foram em casa orar, me confortar. Perdi a minha bisavó e tive outro descolamento de rotina. Novamente estiveram comigo. Lutei contra um tumor em cirurgia de risco e hoje luto para enxergar. Enfim, vocês sabem. Mas também quero, com as minhas lutas, inspirar. Com a mesma raça do Renan Areias. Com a mesma inteligência do Fabrício Oya. Mesmo tendo a idade deles.

Isso tudo que eu contei faz com que as lutas não sejam em vão. E não são. Palestrar me faz bem. Me ajuda a vencer também. E lutar, dia após dia. Porque, no fundo, a vida nos ensina. De um jeito ou de outro. Neste ano também palestrei, a convite do técnico Dyego Coelho. Novas lutas em um novo ano, novas vitórias, mudança de pensamentos, sonhos e amadurecimento.  Com diversas dificuldades eu precisava estar ali. Mostrar para eles a importância disso e um outro lado da vida. E ela precisa ser vivida com um sorriso no rosto. Hoje luto para voltar a enxergar de novo, me recuperar de uma paralisia facial e também de um zumbido e, quem sabe, ouvir melhor. Este ano as lutas são maiores. A força, a esperança e a fé também. Sei que não estou sozinho. Peço a você, fiel torcedor, que esteja comigo também. E com esse time de guerreiros que ouviu minha história.

*Ronald Capita, jornalista, tem 18 anos. É porysfor de uma rara síndrome chamada Marfan, que afeta o sistema cardiovascular, esquelético,  os olhos e a pele, além de ter escoliose. Hoje sua maior luta é para voltar a enxergar de um dos olhos.

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